terça-feira, 8 de junho de 2010

Revolta

Adormeço ao relento
Na agonia, à fome e ao frio
Adormeço no chão da calçada
Com a roupa gasta e rasgada
Tal como um sem abrigo…
Adormeço com os olhos cansados
De mais uma luta inconstante
De mais um dia passado
Sem ninguém do meu lado semelhante
Adormeço na solidão e neste silêncio que me consome por inteiro
Com feridas nos pés
Com as unhas partidas
Os dedos sujos
E crostas nítidas aos olhos dos outros em sangue vivo
A minha dor está espelhada no meu rosto
Nos meus olhos que são esta noite mais vazios
Na minha boca rebentada pelo cieiro que insiste em atacar os mais pobres
Nas minhas palavras que já não se libertam, pois escondem-se no coração, ou a alma já se esqueceu como as falar a este mundo que não nos dá ouvidos.
As pessoas que nos ignoram passam na rua e já não olham,
Quando o fazem ignoram, como a mais uma pedra da calçada
Quando param, a pena é um reflexo no seu olhar, e esquecendo que um dia fui como eles, em que num dia tudo tinha, e na madrugada seguinte tudo desaba e nada é nosso.
Adormeço ao relento
Enrolada numa manta velha que alguém com pena deixou nesta noite gelada na calçada
Adormeço com o estômago vazio, tão vazio e tão cheio de nada que o eco acorda os seres rastejantes que me acompanham e me fazem companhia
Adormeço com a sede de um mundo melhor
Adormeço com os bolsos vazios e o coração aquecido de recordações que ficaram até aquela noite em que eu era como tu, como os outros…
Adormeci serenamente na esperança de amanhã a madrugada ser a mesma que outrora foi, uma madrugada como todas as outras, mas que ainda o sonho idealizado era real, em que eu era aquela que deixava um cobertor na calçada, uma fatia de pão e me sentava ao lado dos sem abrigo a ouvir as histórias, que eu mesmo hoje tenho a contar.

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